terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A Identidade de um diretor na obra cinematográfica.




A vida é curta. Duas horas é um tempo muito precioso para se perder parado em uma reunião improdutiva, um papo ruim com pessoas que não temos afinidades ou um filme péssimo. 

Recentemente me peguei pensando nisso ao me ver querendo desesperadamente sair da sala de cinema para, sei lá, tomar uma cerveja, curtir o sol da tarde ou até mesmo voltar para casa para assistir de novo O Poderoso Chefão. E foi o que fiz em uma sessão de Os Estagiários, onde aguentei heroicamente uma hora de projeção antes de me certificar que aquilo não daria em nada. 

Confesso que foi a primeira vez que fiz isso e que considerava sempre um ato leviano quem falava de algo sem ter a completa experiência sobre aquele assunto. Mas não precisamos comer esterco para sabermos que é ruim, não é verdade? O cheiro já nos diz muita coisa. Com o tempo, passei a adquirir certa experiência com assuntos relacionados a cinema. E acaba que não é tão difícil identificar um filme ruim mesmo antes de assisti-lo sem que para isso eu seja taxado por um completo leviano.

Quem conhece um pouco de cinema compreende que os diretores, os roteirista e até mesmo os produtores (sim, estes que, em tese, não deveriam deixar sua marca com tanta intensidade em um filme) podem fazer um estrago tremendo em uma produção cinematográfica. Há quem inclua nessa lista os atores, mas estes, ao menos que façam parte de uma lista seleta de personalidades hollywoodianas que não chegam a ser um número tão expressivo assim, geralmente se limitam a contribuírem com sua atuação.

Muitos dos diretores também não chegam a atingirem um grau de expressividade, ou seja, não são os chamados diretores autores, que são aos profissionais que colocam sua marca de forma imponente em um filme. Esta situação geralmente leva os produtores a manterem tudo sob seu controle.

Entendam, quase na maior parte das vezes, o produtor tem o importante papel de pagar pelos gastos do filme. Por isso, muitos acabam exigindo que suas vontades sejam atendidas: a atriz tal irá interpretar tal papel, a cidade tal será o cenário de tal cena, o take tal terá de ser retirado porque isso vai de encontro aos seus preceitos religiosos e morais, etc. É quase como se ele dirigisse e mantivesse o diretor sob rédeas curtas.
O diretor, quando alcança o status de autor, imprime no filme suas marcas. E basta sermos um pouco mais experientes para conseguirmos identificar tais marcas e associarmos seus filmes a eles. 

Steven Spielberg, por exemplo, é o melhor tradutor da atmosfera onírica e tem o poder de mesclá-la em nosso cotidiano. A magistralidade com que trabalha música com coloridas e brilhantes imagens é ímpar e orgânica. Vemos isso em Et, Parque dos Dinossauros, Cavalo de Guerra. Repare como as cores são importantes até mesmo em seu único filme comercial em branco e preto, A Lista de Schindler. Há algo a ser mostrado e frisado, dando a entender que toda a trama é monocromática apenas para que aquele rápido momento colorido seja valorizado. Já em O Resgate do Soldado Ryan, o tom pastel das cores adotado apenas se fazem presentes para que tenhamos um impacto cortante quando nos deparamos com os ferimentos de guerra e o sangue extremamente rubro nas cenas de batalha. Além disso, as músicas de John Williams e as questões entre pai e filho são sempre recorrentes em seus filmes.

Tim Burton é o diretor da subversão da vida e também das cores. Reparem, por exemplo, em A Noiva Cadáver, como o mundo dos vivos parece bem menos alegre e colorido que o mundo dos mortos. Reparem que o bizarro e o rejeitável em seus filmes sempre é muito exposto, muito desejável. Em Peixe Grande, Edward Mãos de Tesoura, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e Sombras da Noite o sobrenatural é tão belo e animador que sobrepuja nossa normalidade, transformando-a em algo inepto e sem brilho. Em geral, acabamos por preferirmos fazer parte mais daquele mundo que do nosso.

Quentin Tarantino é o diretor da miscelânea da cultura pop mofada, aquela que esteve escondida no fundo de um guarda roupas ou de uma caixa no porão, apenas esperando o momento de ser reaproveitada. E ele tem o dom de reaproveitar, fazendo isso tanto as músicas (geralmente dos anos 60 e 70, quase inteiramente desconhecidas para nós), quanto com os atores, quase sempre rostos famosos do cinema não tão de gala do passado, como David Carradine, Daryl Hannah e Michel Madsen de Kill Bill; Pam Grier e Robert Forster de Jackie Brown e John Travolta de Pulp Fiction. Além disso, muitos dos críticos que leio o acusam de reaproveitar e misturar velhas histórias, mas se ele o faz, faz com estilo.

Charles Chaplin preferia a imagem em detrimento do diálogo. Tanto que ainda dirigia e produzia cinema mudo quando o som já fazia parte da realidade das salas de projeção na década de 30. James Cameron é o diretor do perfeccionismo e das produções milionárias. Michel Haneke é o diretor que coloca o terror em nosso cotidiano, de forma sutil e cruel. Woody Allen da rotina cômica e das discussões existencialistas. E inúmeros outros, cada um com sua forma de imprimir suas impressões pessoais mesmo estando por detrás das câmeras, conduzindo tudo, fazendo com que amemos ou odiemos seus filmes por causa deles.

Assim, costumo esperar muito de filmes que são dirigidos por diretores específicos e muitas das vezes me decepciono bastante. Foi o caso de Joel Shumacher, que tem um currículo excelente, com filmes como 8mm (1999), Por um Fio (2002) e Linha Mortal (1990); mas já teve que pedir desculpas em público por Batman e Robin (1997), sendo também autor de filmes medianos como Reféns (que já falei sobre ele aqui) e Número 23. E, ao menos no que diz respeito aos dois primeiros citados, percebe-se claramente que a falha pode ser atribuída ao diretor, que permitiu que certos argumentos fossem retirados do roteiro.

Também está sendo o caso de Francis Ford Coppola, que depois de dirigir filmes como Apocalypse Now (1979), a trilogia O Poderoso Chefão (1972-90) e Drácula de Bram Stoker (1992), parece estar querendo cair no ostracismo com produções como Jack (1996), Tetro (2009) e Virgínia (2011). E falo isso não apenas no quesito história fraca de seus filmes atuais, mas na questão de todo o complexo conjunto que envolve a direção.

No final das contas, fica a sensação de que cinema é muito mais do que sentar-se numa cadeira e assistir de forma passiva a um filme. É absorver questões que, de forma implícita ou explícita, através das cores, músicas e simbolismos, o diretor e sua equipe tentaram passar para nós naquele tempo em que passamos inertes em frente à tela.
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