domingo, 26 de janeiro de 2014

A importância da subjetividade para entramos em um filme


Do ponto de vista do transmissor, a experiência de imersão em um filme é um procedimento trabalhado com afinco pelos realizadores na maioria das boas obras cinematográficas. Muitas vezes despercebidas e subvalorizadas, as técnicas que fazem com que tenhamos uma experiência completa ao assistir uma película são de suma importância, entretanto, pouco conhecidas pelo público comum.

Entendo como público comum o espectador que vai ao cinema tão somente pelo entretenimento, o que representa boa parcela da população. Aqueles que procuram estudar o tema; os que buscam mais informações acerca das técnicas utilizadas (como o emprego do som e das cores, das preferências dos realizadores, das locações, das lentes, da velocidade da gravação, etc); aqueles que costumam saber o nome dos roteiristas, músicos, produtores, diretores e, por isso mesmo, acabam gerando expectativas acerca do filme ainda não visto; essa é a parcela minoritária dos espectadores. E é este tipo de público que aproveita muito mais a experiência cinematográfica, entendendo que muita coisa na película costuma ter um motivo que vai muito além do simples acaso. Para esses, o simples ato de assistir a um filme costuma ser uma experiência sensorial fantástica.

As roupas usadas por Kay em O Poderoso Chefão denotando seu humor e personalidade (que, com o passar dos filmes, vai se desbotando, assim como sua alegria, vivacidade e jovialidade); a trilha sonora de máquina de datilografar em Desejo e Reparação revelando indiretamente o surpreendente final desde o início da projeção; o vestido utilizado por Ofélia em O Labirinto do Fauno em uma referência a Alice no País das Maravilhas; o incrível trabalho de som realizado em Gravidade, onde a câmera viaja não apenas pelo espaço, mas dentro e fora do traje dos personagens, nos obrigando a ouvir a respiração alternadamente com o silêncio da imensidão do espaço sideral, o que faz com que a gente sinta o peso da solidão daqueles personagens naquele ambiente hostil.

O processo de escolha das paletas de cores aplicadas pelos realizadores é outro fator importante na ampliação do processo de imersão. Traffic, de Steven Soderbergh, por exemplo, utiliza-se de cores diferentes para apresentar as três histórias, cada uma representando uma temática aplicada (amarelo para o clima desértico do méxico em uma das histórias; azul para representar a frieza do poder em outra; cores vibrantes, para nos trazer o tom de naturalidade e nos encaixar no universo onde vivemos e onde as coisas acontecem embaixo de nossos narizes). O Fabuloso Destino de Amélie Poulain também utiliza-se das cores vibrantes e cenas filmadas em ângulos inusitados, mas dessa vez, para nos afastar da realidade que, segundo o diretor Jean-Pierre Jeunet, é muito ruim e cruel. Outro exemplo de como as cores exercem um papel importante se aplica à chamada Trilogia das Cores, do cineasta polonês Krzysztof Kieślowski (A Liberdade é Azul, A Igualdade é Branca e A Fraternidade é Vermelha), onde temos no título as cores da bandeira francesa, assim como os ideais pilares da principal Revolução ocorrida naquele país.

Muitas vezes o filme não merece ser apenas visto, mas absorvido em toda sua plenitude. Algumas obras são tão complexas que, à medida que são revistas, vão ganhando camadas de sentidos totalmente novos. É o caso de Magnólia, de Paul Thomas Anderson, que, em uma primeira assistida, parece confuso e sem objetivo, ganhando significado a cada nova assistida. É o caso, também, de A Origem, de Christopher Nolan. Aliás, Nolan tem se mostrado bastante eficiente na arte da imersão com outros de seus filmes anteriores, como Amnésia e O Grande Truque, filmes que além de sobreviverem incólumes a uma nova visita, fazem com que o sentido de sua história se torne mais amplo.

Imergir em um filme é deixar-se levar por ele, ser envolvido por aquele universo, acreditar no que está se passando em frente aos seus olhos, por mais absurdo que seja aquela história. E é claro que, para que isso ocorra, é necessário a contextualização do que vemos àquele universo que somos levados a ver. Assim, esquecermos de nossas próprias dores, de nossos próprios dramas para que, ao menos por cerca de duas horas, passemos a enxergar o mundo pelos olhos de um terceiro que até então não conhecíamos, mas passamos a amar ou a odiar naqueles poucos momentos que nos dedicamos a ele.






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